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O valor de uma sangat

por Hari Shabad Kaur


Nós, que escolhemos trilhar um caminho espiritual, já escutamos mais de uma centena de vezes como essa existência é passageira. Não só em seu aspecto material, mas em relação a sentimentos e sensações derivados da matéria, como, por exemplo, apego, dor, prazer, ou mesmo, vida e morte. Portanto, estamos, de algum modo, consciente da impermanência de todas as coisas.


Qual, então, seria o propósito da vida? Sem querer soar como se estivesse me referindo a Heidegger ou à filosofia existencialista, estou interessada em outro tipo de pergunta. Quero dizer: sendo tudo tão passageiro e tendo consciência disso, a que atribuímos valor? Qual o sentido que atribuímos a estar vivo, a acordar mais um dia e seguir em frente? A que recorremos para fazer sentido?


Estamos diante das coisas como uma criança que faz pirraça em público por um motivo qualquer, irrelevante. Ao invés de colocarmos nossa presença diante das coisas e do mundo, esse tipo de presença búdica que dignifica e qualifica -- e, portanto, eleva --, estamos diante do outro como um displicente que entrou na casa de um rei e se esqueceu de deixar os sapatos na porta de entrada, ou como alguém fora de si, tão completamente imerso em seu próprio ego, que, diante de um professor, esqueceu-se de deixar o ego do lado de fora.


Não sei se foi Guru Sangat ou se foi o próprio Yogiji -- na verdade, essa sutileza de origem não importa, pois são ambos nossos professores -- quem nos disse que estamos constantemente presenteando o outro com o odor da nossa caca mental. Escatologias à parte, é interessante notar como temos pudor do odor de nossas axilas ou pés, ou qualquer outro atributo orgânico, mas não nos envergonhamos de nos apresentamos sujos e indignos diante do outro. (Importante notar como estamos apegados ao nosso próprio lixo. Constantemente apegados -- poderia dizer enfezados se quisesse usar um trocadilhos --, apesar da inconstância de todo o que existe).


O problema não é estar sujo, ou completamente imerso no ego. A questão é o quão você está consciente do -- e presente no -- seu compromisso a ponto de dignificar a todos (e não vacilar nos hábitos do ego de degradar ou desqualificar: o outro, as circunstâncias et cetera)


Mesmo sabendo das impermanência de todas as coisas, tendemos a dar valor a situações, objetos ou afetos que não nos dignifica, enquanto esquecemos de exaltar os atributos daqueles que estão por perto. Pensaria, a princípio, como nos lembramos de dar valor a entes queridos, em especial, aqueles que respondem por nossa linhagem, apenas quando estes já não estão mais presentes. Quando estes já passaram por mais uma etapa de vida e morte. Se pensarmos então em nossos professores, essa displicência em relação a um tônus da presença se torna ainda mais problemática.


Escrevo para compartilhar o sentimento que sinto há pouco mais de um mês quando penso, medito e sinto o valor de uma sangat -- estando longe dela. Como uma família, tendemos a dar mais atenção (e alimentar) a caca parental do que o poder criativo de uma mãe ou a solidariedade amorosa de um irmão. Despendemos mais energia gerando mais intrigas mentais para servir de playground para nosso ego do que respirando fundo, abençoando nossa própria ignorância e deixando para lá nossas neuroses, em busca de uma luz, esta mesma luz encarnada em ensinamentos conduzidos por um professor, ou um Gu-Ru, este capaz de nos conduzir da escuridão para a luz. Como numa família, precisamos aprender a dignificar e exaltar aqueles que nos rodeiam e nos sustentam, aqueles que nos instigam a sermos sempre o melhor de nós mesmos. Não precisamos idolatrar ninguém oferecendo "em sacrifício" a nossa própria caca. Talvez pudesse ser mais interessante elevarmos tudo à condição de professor, desde circunstâncias adversas à própria caca. Mas, antes de mais nada, tomarmos efetiva consciência do ser búdico de tudo que existe, da qualidade “professor” de tudo aquilo que chega até nós. E como verdadeiros sikhs, ou seekers, estarmos abertos para a mudança. Pois como já disse Siddharta Buddha, não há aprendizado sem mudança.


Não gostaria de viver a vida de um morcego e atribuir demasiado sentido à escuridão, apesar de saber que a escuridão também é Buddha. Mas se estou aqui para preencher o espaço e o tempo de uma vida humana, bem...


Se tudo é tão impermanente, talvez o sentido a ser atribuído seria tornar essa vida tão digna e tão cheia de luz que se não serviria para parar, pelo menos diminuiria esse ciclo constante de morte e vida -- para que, quem sabe um dia, estejamos libertos deste fardo de encarnar. E podermos, então, voltarmos a habitar a nossa origem, infinita.


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