[GSK] O primeiro altar
por Gurusangat Kaur Khalsa
O que eu significo para mim? Esta pergunta tem valor – e como!
Todos nós estamos irremediavelmente submetidos a determinadas forças que influenciam nossa maneira de estar no mundo. Estas forças atuam criando moldes a partir dos quais adquirimos determinadas características que nos projetam na vida.
Estes condicionantes são de natureza biológica, social e cultural e têm um punho férreo sobre nossas psiques. Eles podem, sem dúvida, nos encapsular numa identidade fictícia de sobrevivência, se deixarmos que eles atuem sem a intervenção de nossa consciência ou identidade real. Não é nada incomum ver pessoas acreditarem que existir fora desse invólucro seria tarefa absolutamente desnecessária, e também muito perigosa.
Vamos dissecar isso um pouco mais. Conceba uma determinada pessoa nascida com uma constituição frágil e franzina, e, por isso, tenha sido tratada como alguém que requer amparo constante. Sob tal vigilância e proteção, ela poderia passar sua vida sem a chance de se expor aos desafios naturais que fariam aflorar seus talentos, condicionando-se a essa proteção como meio fundamental de sua sobrevivência e passando, assim, o resto de sua vida presa e dependente.
Imagine agora um indivíduo forte encarcerado em um campo de concentração nazista. Inútil esperar que sua cultura, seus talentos e sua bagagem existencial, acumulados ao longo de sua vida, possam lhe render qualquer força de superação, se, ao se vir submetido à sistemática despersonalização associada a uma ininterrupta violação de sua dignidade, ele próprio abdicar de sua identidade espiritual em favor daquela orquestrada por seus algozes.
O momento em nossas vidas em que nossa identidade construída para defesa imediata é testada é complexo, assustador e dinâmico. Este drama acontece sem prelúdios, e o contexto é sempre marcado pelas mais implacáveis circunstâncias, as mais duras e violentas. Este é o teste de nossa identidade espiritual, real e verdadeira, a única capaz de romper o invólucro, o cárcere de nossa suposta proteção. Neste momento, precisamos do nosso Primeiro Altar, e nele chegamos via de regra atordoados, machucados e perdidos.
Nele, precisamos escolher nos agarrar àquilo que tem o poder de nos puxarmos para fora da tormenta e garantir nossa salvação. Muitos, por hábito, perdem grande tempo buscando a quem culpar ou a quem recorrer fora de si próprio. Este é o problema. Como poderia haver culpados se a situação em si está carregada de tensão libertadora? Nesta luta, como imaginar que a salvação poderia estar fora de nossa própria inteligência? De nada adianta assentar o olhar para fora de si. Mas, o que fazer se dentro de nós existe apenas o baque e o susto de nos vermos expostos e fragilizados? Precisamos perguntar a coisa certa e ouvir a resposta que trará a solução. E ela é: o que eu significo para mim?
No Primeiro Altar, pela primeira vez, a voz outrora anêmica de nossa consciência abala nosso medo e insegurança. Ela comanda: quebre as paredes sombrias do cárcere de seus condicionamentos, corra para fora do alvéolo infértil de sua existência, agarre-se aos valores perenes de sua alma e se liberte! A despeito da força que te quebra e te faz prisioneiro, escolha agir além de seus condicionantes.
Respondendo a esta pergunta, descobrimos a força criativa que se encontrava embotada e suprimida dentro de nós. E, quando ela vem à tona, nada mais nos limita. Diante de toda adversidade e tormenta, pela primeira vez, somos capazes de reconhecer nossa prisão e de escolher ser livres, agindo de forma antagônica aos nossos hábitos, sejam eles condicionados pela nossa herança genética, pela cultura ou pela nossa posição social.
Eu significo para mim o começo, o meio e o fim. Eu sou a fonte última da minha própria salvação. Eu significo para mim a pessoa capaz de recorrer aos valores dhármicos da alma e me servir deles sem culpa, e usar o que tenho de mais precioso, que é a coragem de ser eu mesma, de ser autêntica e de ser livre!
Quando exaustos e acuados caminhamos para nosso Primeiro Altar, somos abençoados com o presente de nossa Verdadeira Identidade. Uma força sobrenatural nos toma, e damos os primeiros passos no território virgem de nossa realidade livre. Neste novo espaço, já estamos andando na região do nosso próximo altar. Um novo teste se divisa e uma nova libertação nos aguarda.
Wahe Guru, Sat Nam.
Belo Horizonte, 30 de junho de 2014.
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