[GSK] Escutando o coração das árvores
Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa no dia 17 de maio de 2019
[GSK abre a aula]
Chamamos as emoções referentes ao triângulo inferior de emoções primais. Elas funcionam também como aglutinadoras de outras emoções. São como ímãs, que acabam criando um território muito complexo. O medo, por exemplo, está por trás de todas as emoções primais – raiva, avareza e apego. Ele tem uma raiz na nossa aflição de morrer, e essa é uma morte metafórica também, a morte do nosso ego. Para este medo ser superado criamos verdadeiras cidades emocionais. Ou seja, complexas relações emocionais para garantir que permaneçamos onde estamos.
Quando forem lidar com esse tema em sala de aula, em família ou no consultório, talvez facilite considerar que na vida prática, não na vida filosófica, a raiz desse medo é deixar de ter razão. Isso é importante porque deixar de ter razão é uma forma de morte muito dolorosa. É por esse motivo que brigamos tanto. Por isso nos organizamos tanto para lutar para ter razão e não para ter compreensão.
Todas as vezes que vamos morrer admitindo que não precisamos ter razão estamos diante de uma morte muito difícil. É bastante difícil se entregar nessa perspectiva, mas na hora em que se entrega e morre é muito libertador. Aí reside uma amargura e uma doçura. Aí há um grande paradoxo. Porque essa morte é a mais difícil que há – superada, talvez, apenas pela morte propriamente dita – desenvolvemos uma coisa chamada apego. O apego vem um pouquinho daí. Por isso o medo está na contrapartida do apego.
Aquela clássica figura das lenhas que, ao olhar daqui se vê três e ao olhar dali se vê quatro, é um truque da mente. Quando algumas pessoas se aproximam desta figura, se fecham um pouco os olhos, conseguem ver quatro lenhas. Para isso é necessário fazer um esforço muito grande porque o cérebro filtra determinadas situações. É preciso treinar o cérebro a olhar em diversas perspectivas. Essa capacidade é adquirida e é o recurso que podemos usar para não sofrer nesta morte. Portanto, a parte prática da história é o medo de perder a razão. A maneira de fazermos com que não percamos a razão é nos apegando a várias crendices. E uma delas, a maior, é justamente a de que temos razão, de que somente nós temos razão.
Algo que explica o apego nessa perspectiva é o medo de não pertencer. Teme-se romper e ficar sozinho, isolado. Quando se perde a razão, além do julgamento do outro, que está implícito, há uma separação, um corte. Temos muito medo desse corte. E lá na primeira infância há um desejo não satisfeito, não realizado, de uma experiência profunda de conexão. Isso ainda com a mãe e com o pai. Se os pais usam as crianças como mecanismo de defesa da própria relação e não permitem que elas sejam crianças, querendo que tomem a responsabilidade pela relação deles, estas crianças perdem esse espaço de conexão profunda que garante segurança e amor.
Quando isso ocorre é muito provável que surja um forte elo de apego na personalidade. Isso é cultivado na adolescência a partir de uma condição de “irreligiosidade”, – entre aspas, porque nem todas as famílias buscam experiência na religião – termo usado pelo Yogi Bhajan. Pode se referir também a uma falta de experiência com o divino, com algo transcendente, com o espírito. São pessoas que na adolescência não encontram um espaço para experimentar a transcendência. É tão essencial para o ser humano experimentar a transcendência que os jovens necessariamente vão buscar essa experiência na droga, não há dúvida.
Todos precisam dessa experiência da transcendência. Na Alemanha, me lembro muito bem das crianças de uma escola como Miri Piri indo para o parque com estetoscópio no ouvido para ouvir o coração das árvores. Aquele tanto de criança ouvindo árvore. Há maneiras de fazer com que a criança rompa o coração dela própria e escute o coração de algo que não é dela. Esse tipo de experiência vai levando a criança a se conectar. A arte é também uma maneira de conectar, desde que a criança seja lembrada pelo professor de arte que a inspiração não vem necessariamente dela, mas passa por ela. Trabalha-se na criança o fato de a inspiração vir dela quando ela não está nela, mas no todo.
Existem várias maneiras de tratar essa religiosidade, a ligação do finito com o infinito. Quando isso falta a pessoa se apega tanto ao que tem porque ela não está livre. E, finalmente, na adolescência ela fará uso de meios egoístas para poder sobreviver. Isso acaba conduzindo aquela psique a um medo profundo do desconhecido. O apego arremata uma grande história que falamos. Primeiro, aumenta a sensação de vítima gerada pela raiva e pela avareza, então voltamos a ser vítimas da raiva e da avareza. Porque deixar de ter aumenta a raiva. Deixar de ter aumenta a avareza. Acabam os valores éticos, eles não mais importam. Importam apenas os valores morais, o que temos para nos satisfazer agora, porque queremos algo que nos satisfaça imediatamente. Desenvolvemos aquele apego à satisfação imediata. Ficamos muito infantis e completamente desconectados do espírito.
Como é que rompemos com esse cárcere? Esse é um cárcere que todos conhecem em si mesmos em primeiro lugar e depois nos outros, de forma dramática. Ou rompemos isso aplicando a inteligência e dizendo não para nós mesmos, ou rompemos isso na purificação, na crise. A história da crise é curiosa porque, diferentemente de quando nos dizemos não, sendo nós os professores, ali criamos uma ação imediata. A crise demanda um resultado imediato. Na crise, para nos purificarmos, o professor é o tempo – quantas crises forem necessárias para atravessarmos e tomarmos consciência desse processo. Isso às vezes é muito duro, porque vemos pessoas qualificadas, com grande potencial, entrando na rota da crise sem o menor poder de se retirarem dela. O kriya que faremos hoje nos dá esse poder.
Nas línguas indianas estômago é chamado de pita. Na ayurveda, pitaé o fogo digestivo, é o fogo dentro de nós. E é o estômago. Este é um kriya para o estômago, que é onde esse fogo digestivo está disponível. Esse fogo é aquele que nos ajuda a processar emocionalmente o mundo. Todas as vezes em que queiramos aumentar a capacidade de aplicar a nossa inteligência é importantíssimo que utilizemos pita.
Aluno: Fiquei pensando se o apego material seria um medo de perder status.
GSK: Medo de perder tudo. Status é uma das coisas que o ego elegeu porque garante importância. Quando as pessoas não têm uma conexão profunda, status é uma maneira de ter conexão.
Muitas vezes um jovem entra profundamente na experiência da droga porque existe uma cultura da droga. Se aquele jovem não conheceu uma diversidade cultural na própria casa, na própria família, ele se conecta com aquele caldo cultural mais imediato a ele. Uma das coisas que mais oferece diversidade cultural para o jovem é multiplicidade de viagens quando ele era criança, porque ele pode ver diversas culturas e formas de vida. Naquele caldo cultural duas coisas estão acontecendo: experiência de conexão e razão para conectar. Portanto, não necessariamente a dor é só dele. E muitos jovens não buscarão experiência de transcendência porque têm dor. Eles a irão buscar simplesmente porque estão curiosos, porque é da natureza humana.
Yogi Bhajan contava o seguinte:
Você comeu um peixe e o metabolizou todinho no seu sistema digestivo. Depois de horas o peixe, que não existe mais em nenhuma forma dentro de você, exige que dê a ele o seu elemento, a água. Você sente muita sede. Quem come peixe tem que tomar água. O peixe demanda o elemento da sua mais profunda natureza. O elemento da mais profunda natureza humana é transcendência, é o espírito. Nós exigimos essa experiência. Ela é exigida de nós.
Kriyas: Fortalecendo o Estômago & Construindo o Sistema Glandular e os Órgãos Internos, do Manual do Proprietário do Corpo Humano
Meditação entoando o Ang Sang Wahe Guru
May the long time sun shine upon you...
[Transcrição: Sada Ram Kaur]
Comments