[GSK] Dois caminhos para transformar a raiva: render-se ou ser rendido
Aula ministrada por Gurusangat Kaur Khalsa no dia 29 março de 2019
[GSK abre a aula]
Há duas semanas elegemos o tema do drama humano e começamos a nossa conversa abordando a raiva. Falaremos também da avareza e do apego. No Kundalini Yoga e na Humanologia são esses os três pilares da desgraça humana.
O combustível que alimenta a raiva é o medo. Não é a falta de amor. Por isso pode acontecer de muito amor se expressar por meio da raiva. Esse é um amor doentio e está retido no triângulo inferior. A raiva surge de uma necessidade de nos identificarmos. O problema é que, se nossas identificações estão restritas à nossa zona de segurança, conforto e prazer, essa se torna a nossa zona exclusiva de identificação.
Não existe relação humana que não sofra abalos e conflitos. Eles são justamente uma fonte para nos aprimorarmos. Quando os conflitos começam a acontecer naquela zona de identificação o ego passa a se sentir ameaçado, porque até então o domínio era dele. O ego começa a entrar no espírito de cortar essas identificações. Esses cortes são muito abruptos quando a psique humana está possuída pela raiva. O curioso é que quando cortamos essas relações não resolvemos o conflito, porque o mascaramos.
Qual é a melhor forma de mascarar? Criando novas identificações. Partindo do pressuposto de que a energia da paixão, a energia do estímulo, está lá. Então buscamos, novamente, identificações. O problema da necessidade de identificação é que ela gera falsas identificações, no sentido de que estamos produzindo novas identificações apenas para nos sentirmos seguros e não para nos sentirmos realmente maduros. A maturidade se dá nos conflitos. O teste da maturidade é o teste dos conflitos.
Existe um domínio da alma e da consciência muito grande em nós. Exatamente como na vida, o apelo para o amor é muito maior. O apelo pela cadência é muito maior do que pela decadência. Existe uma força maior que organiza do que uma força que desorganiza. Graças a Deus! Na psique humana é a mesma coisa. Temos uma capacidade muito grande de querer organizar, ainda que não saibamos. O único mecanismo que a consciência ou a alma tem para gerar novas possibilidades de amadurecimento e cura são as crises.
A alma deseja conexão. Para a alma pouco importa se as conexões estão dando conforto e segurança ou não. A alma é muito mais direcionada a situações em que é possível haver uma purificação do que àquelas em que possa haver um amor romântico do tipo “bodelariano”. A alma definitivamente não é existencialista. O negócio da alma é amadurecer a psique. Para ela, é ótimo a crise. É uma chance para a pessoa cair e reconhecer aonde está.
É por isso que a raiva com cunho impessoal purifica tanto e a raiva com cunho pessoal gera tantos obstáculos. Todas as vezes em que personificamos a nossa raiva, vamos ter que cortar ali e abrir uma nova identificação. E mais uma vez personificar, ganhar intimidade e conforto. Na hora em que o desconforto começa a ser gerado cortamos de novo e abrimos outra identificação. Vamos colecionando sucessivas derrotas, sem ter aprendido. Quando entra o cunho impessoal, que é da alma, aquele fogo da raiva purifica através de conflitos. É impressionante, porque todas as coisas começam a despencar.
Só existe um meio imediato para transformar a raiva e permitir sua elevação do triângulo inferior para o triângulo superior: a rendição. O Guru Tegh Bahadur dizia que a rendição é doce. A longo prazo existem outros mecanismos, como as frustrações e o sofrimento. Às vezes, de tanto nos frustrarmos e de tanto nos sentirmos impotentes em relação a certas situações, há um momento em que ponderamos: “Realmente, chega! Não aguento mais a dor!”.
As pessoas que têm a intuição e a inteligência de operar no espaço sagrado, têm uma vontade de restaurar nelas esse sagrado através do espírito. Acontece que, se não há uma experiência de entrega genuína na dor, se as pessoas seguem refutando e se fazendo de vítimas por muito tempo, elas acabarão indo buscar o sagrado em um lugar extremamente perigoso.
Yogi Bhajan dizia que existe o sagrado da mão direita e o sagrado da mão esquerda. Todos os mestres falam disso, do budismo ao candomblé. O sagrado da mão direita é aquele que usa a luz da alma para superar a sombra do ego. Esse sagrado da mão direita nunca usará a energia do espaço sagrado para manipular o meio. O sagrado da mão esquerda é o contrário, é o Tantra Yoga Negro. Ele sempre usará o espaço sagrado para manipular a serviço do ego. Aqui não cabe julgamento, assim são as coisas.
As pessoas que têm esse espírito e nutrem o desejo de se conectarem com ele podem fazer uma opção. Depende de quais opções elas fazem. Há escolhas que as levam a permanecer mais incrustradas em um karma – agora muito maior, que é aquele que manipula o sagrado a serviço do ego. Isso é bastante sério. Kundalini Yoga trabalha a via do Tantra Yoga Branco. Nos conectamos a serviço do sagrado, que jamais será usado para atingir outra coisa, a não ser abrir esse espaço para incluir, para permitir, para vibrar neste todo.
Existem, portanto, dois mecanismos possíveis. Um mecanismo é o da entrega imediata, da rendição. Se estamos em um conflito é melhor considerarmos: “Onde está a minha parte nesse latifúndio? Isso chegou no meu território de alguma maneira, então, me pertence.” Por mais que não o queiramos, temos que relacionar com isso. Isso é o que chamamos de entrega. Guru Nanak afirmava: “Se chegou no seu espaço, é seu”.
Essa é a primeira grande conquista da maturidade. Isso é extremamente difícil de ser feito, porque é a primeira vez que temos que dobrar o ego. Ele tem que se inclinar diante de nossa vontade. Esse negócio é bem difícil. O ego não tem uma força de se ajoelhar. Vitor Frankl fala, no seu maravilhoso livro “Meaning of life”, sobre como você se dobra ou dobra o seu próprio ego.
Pelo segundo mecanismo, aquele em que fomos longe demais, o universo retira de nós alguma coisa. Ele retira tudo aquilo que foi adquirido naquele espaço sagrado. Por isso Yogi Bhajan dizia que o karma na Era de Aquário é instantâneo. Se adquirimos alguma coisa manipulando o meio, e que tenha sido fruto de nossa projeção naquele espaço límpido, transparente, sagrado e de inclusão, aquilo vai ser tomado. É muito sério, porque ficaremos realmente no zero. Mas é uma chance de começar de novo.
Entenderam a história da raiva e o triângulo superior? Ou vocês se rendem ou serão rendidos. É uma escolha. A escolha de se render é consciente e a escolha de ser rendido não é consciente. Se ainda não se renderam serão rendidos, inclusive, sem admitir. Todos conhecem essa dinâmica e esse mecanismo na vida. Quem tem experiência própria, ótimo. Quem não tem, basta olhar para o lado e aprender.
Kriya: Give power to the brain, do Manual do Proprietário do Corpo Humano
Tempos obscuros são sempre tempos difíceis e maravilhosos. São difíceis porque não vemos luz no fim do túnel. Mas são maravilhosos porque não existe nenhuma obscuridade que seja obscena o suficiente para impedir que a vida reflua. O que nos dá essa capacidade de discernir a realidade e esse calibre é o cérebro. É, especificamente, esse processador mais recém-formado, o córtex frontal.
Yogi Bhajan certa vez comentou que, ao observar as pessoas falando tudo o que vinha em suas mentes, elas lhe pareciam um tanto de “qua qua qua’s”. A mente não nos foi dada para ser expressada através da fala. A mente nos foi dada para discernir a verdade. Ela tem essa elasticidade além do tempo e do espaço. Consegue penetrar além do aparente e é capaz de sentir que o ego está sendo confrontado, humilhado. Quando a mente se questiona: “Por que isso está para mim? O que isso tem a ver comigo? Qual é meu aprendizado?”, pronto, subiu para o triângulo superior.
A mente foi feita para fazer esse movimento, não para responder no imediato. Essa é uma aula para nos permitir usar nossa capacidade de ir nesse veículo e conhecer a realidade.
May the long time sun shine upon you...
[Transcrição: Tarkash Kaur]
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