Carta aberta ao reitor da UFMG
Belo Horizonte, 14 de janeiro de 2013.
Ao Magnifico Reitor da UFMG
Professor Clélio Campolina,
Meu nome é Lisette Lobato Mendonça, professora aposentada desta Casa, e em nome da relevância desta Instituição e de seu papel na formação de um cidadão livre, autônomo e soberano, e como membro dela, dirijo-me à sua instância máxima na esperança de encontrar ressonância.
Necessito esclarecer que tentei discutir o assunto que desejo lhe expor aqui, em instâncias anteriores, na esperança de encontrar a solução para um problema grave pois fere o direito universal de liberdade religiosa.
Trata-se do caso de um jovem Sikh que, ao comparecer na UFMG para fazer a prova do vestibular, foi impedido que usar seu turbante. Eu fui procurada pelo jovem pois também sou Sikh. Os Sikhs são um Dharma similar ao Budista; e os Sikhs cobrem a cabeça com um turbante, sendo que isto caracteriza e faz parte de sua identidade cultural e religiosa.
Este rapaz, antes do inicio da prova, foi conduzido para uma sala em separado e um segurança e mais quatro pessoas lhe deram uma ordem nestes termos “você tem escolha: ou faz a prova sem seu turbante ou sai agora”. O rapaz se sentiu constrangido e amedrontado, retirou seu turbante na frente destas pessoas e foi fazer sua prova humildemente.
Hoje, ao saber deste lamentável incidente, procurei a Professora Vera, da COPEVE e a Elizabeth, de seu gabinete, na esperança de ver a situação contornada de modo a poupar o rapaz de novo constrangimento e coação na prova de amanhã. Mas, a Professora Vera não abriu um espaço de diálogo e apenas confirmou que o que foi feito foi correto, pois consta no regulamento, e que a UFMG está fazendo a “coisa certa”. Fui ao regulamento e lá encontrei que alunos não poderão fazer prova de boné ou similares. Mas, me surpreende imaginar que a professora Vera trate um turbante, ou um Yamulke, ou qualquer outro paramento de fé que prescreva cobrir a cabeça, como um boné. Perguntei a Professora Vera se ela pediria para que uma freira retirasse a cobertura de sua cabeça para fazer a prova, e sua resposta foi “lógico”.
Isto não me parece lógico, nem tampouco aceitável numa intuição universal. Com todo respeito, apelo à sua sabedoria e à sua condição de guardião desta Instituição, e me amparo em suas próprias palavras que, em seu discurso de posse, expressam uma verdade incontestável:
“As Universidades só realizam o melhor que se espera delas quando são instituições autônomas, quando seus membros são livres para as escolhas individuais de natureza ideológica, partidária, religiosa ou de qualquer crença ou opção pessoal. A Universidade deve ser o espaço da convivência livre e plural. Ela é parte fundamental da consciência crítica de um povo e de uma nação”
Amanhã este candidato ao vestibular mais uma vez poderá ser submetido ao constrangimento da ignorância e da arrogância de quem não é capaz de contemporizar e fazer melhor uso de um juízo universal para interpretar uma circunstância, que obviamente não pode ser amparada ipsis litteris no regimento, por não ser um caso comum.
Termos a nossa universidade aberta a todas as culturas e etnias, ter um Campus habitado por africanos e seus turbantes e roupas coloridas, pelos árabes, por judeus e cristãos, por sikhs e hindus é garantir o direito expresso mais uma vez pelo Magnífico Reitor da UFMG:
“Como o próprio nome indica, a Universidade é universal (...) Há, efetivamente, a necessidade de uma ação afirmativa de todos quanto à proteção da diversidade, seja ela cultural, étnica ou de qualquer outra natureza. Para tanto, uma delicada operação tem que ser realizada cotidianamente: A universidade precisa integrar-se para conviver com a diversidade"
Este incidente é um caso clássico de discriminação religiosa e contraria os ideias políticos e éticos universais da UFMG e de qualquer outra instituição democrática.
Por isso, venho lhe pedir que intervenha e me ajude a educar nosso meio acadêmico e repare o erro cometido a este rapaz.
Com meu respeito e atenção.
Lisette Lobato (Gurusangat Kaur Khalsa)
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